sábado, 25 de julho de 2009

Carta ao Professor Ezequiel Canário - Fernando César alves

Caro Amigo, Nós, professores como você, expressamo-lhe nosso repúdio e solidariedade, a partir do triste episódio ocorrido numa escola pública municipal de Recife, no último dia 4 de maio, quando alguns alunos o agrediram física e covardemente. Nós, seus amigos e irmãos, embora desconhecidos, convivemos diariamente com vários tipos de violência, em diversos lugares desse país. Outro dia, prezado Ezequiel, um outro colega nosso de profissão levou um safanão no rosto de um aluno, porque colegas de turma prometeram uma certa quantia em dinheiro (resultado de uma “vaquinha” feita entre eles) a quem realizasse a complicada missão. Espantou-se? Tem mais: uma mãe, ao chegar no corredor de uma escola para tratar sobre o comportamento do filho com a coordenação, foi agredida ferozmente por ele na frente de todos, caindo desacordada. Infelizmente ou felizmente esses dois casos não foram noticiados pela mídia; e não ocorreram em escolas públicas nem estabelecimentos de ensino situados em lugares com grande índice de violência, mas em escolas particulares do Recife e Região Metropolitana, o que não devem causar em nós surpresa alguma. A violência nas escolas brasileiras atinge índices alarmantes e tem por principal vítima o professor, aquele, cuja missão maior é o de formar cidadãos; contribuir para a garantia de um futuro menos triste, inserção social dentre outros objetivos. E o que é pior: ela tende a aumentar muito mais. Ensinar nas escolas brasileiras se tornou uma função de grande risco, um interesse que põe a vida de quem educa à própria sorte. Mas vejamos algumas causas porque isso acontece. O maior problema do exercício do magistério atualmente consiste na desagregação familiar; ou seja, retrato desenvolvido fora do ambiente de ensino. Pais separados, ausentes, pouco escolarizados, filhos entregues aos destinos de um mundo perverso, odioso, liberalista, sem limites, sem Deus; e isso gera alunos revoltados, agressivos, super independentes; pessoas que vêem o ambiente escolar apenas como uma máquina de produzir provas e notas; e o professor, como um empregado do Estado ou da empresa privada. A falta de limites, de temor e de respeito em casa (não só na relação pais e filhos, mas também entre maridos e esposas) reflete diretamente nas salas de aula. Muitos de nossos estudantes provêm de lares desestruturados nos quais não há a familiarização com o papel, o lápis, o livro, a leitura, a escrita. Os pais se sentem incapazes de orientar os filhos a superar as dificuldades escolares. Infelizmente, no Brasil, quando se pensa projetos para a melhoria da qualidade do ensino não se leva em conta o ambiente familiar; a começar pelo o que se ensina. E aqui surge um outro problema. As metodologias de ensino e os conteúdos vivenciados em sala de aula, com raríssimas exceções, além de antiquados, não contemplam a realidade social dos alunos. Ou seja, a maneira de ensinar, embora hoje com suporte de televisores, antenas parabólicas, computadores (na minha opinião ainda sem objetivos pedagógicos claros e eficientes) e os assuntos ensinados não acompanham um mundo repleto de grandes transformações; e, por isso, não despertam prazer algum. Nosso ensino sempre passou ao estudante uma visão formalista e abstraída da realidade que contaminou o ensino ao longo do tempo. O físico americano Richard Feynman, que esteve no Brasil nas décadas de 50 e 60, e ganhou o prêmio Nobel de Física por suas magníficas contribuições para o desenvolvimento da mecânica quântica, descobriu que, quando perguntava sobre a teoria de um determinado assunto, os alunos brasileiros respondiam com rapidez, mas se o mesmo assunto fosse tratado de outra maneira, saindo do formal para a experiência objetiva, esses estudantes se perdiam completamente. Eles eram incapazes de ver a realidade por detrás das palavras e de aplicar aqueles conhecimentos aos fenômenos cotidianos. As escolas visam apenas um objetivo aparente do modelo educacional existente: preparar robôs para os entediosos vestibulares e “enens da vida”. Injetam uma infinidade de assuntos na cabeça dos nossos adolescentes, fazem uma pressão psicológica enorme (na escola e em casa) por uma busca de um curso superior que também não garante resultados pragmáticos, como, por exemplo, inserção no mercado de trabalho. Os nossos Ministros da Educação ao longo da história nunca foram educadores experimentados pela realidade dura do ofício, mas técnicos educacionais, burocratas do ensino presos em seus gabinetes e cercados por assessores; remanescentes da realidade elitista; e nunca contemplaram de perto a realidade dos alunos e dos professores. Eles viveram preocupados em diminuir a evasão escolar com projetos assistencialistas, como o “bolsa-escola”; a acabar com o alto índice de reprovação (e por isso criaram a chamada “progressão parcial”, trocando seis por meia dúzia); a encher as salas de aulas como um formigueiro (sem que haja investimento proporcional na infra-estrutura); mas nunca tiveram coragem de acabar com os vestibulares, com os atuais métodos avaliativos medíocres; com essas teorias pedagógicas que pouco têm utilidade; de proporcionar melhores condições de trabalho, tanto na questão da logística como na velha discussão salarial; de proporcionar mudanças profundas e radicais no atual modelo educacional brasileiro. E que interesse teriam nisso? Formar cidadãos, no sentido mais amplo do termo, nunca foi interesse dos nossos gerenciadores educacionais. Há mais de 30 anos ouço dizer que a classe dos professores é a mais mal paga no Brasil. E essa realidade só piorou. Alguns professores privilegiados de Brasília e das regiões Sudeste e Sul vivem bem, chegam a perceber uma hora-aula de 25 a 30 reais; enquanto mais de 80% dos demais colegas de profissão recebem entre 2 e 7 reais por aula ministrada. A questão dos baixos salários é complexa, mas ela não se limita a um simples acréscimo salarial, pois este precisa estar associado a uma melhor preparação e um melhor desempenho dos professores. Também as vantagens salariais se acumulam no fim de carreira e são incorporadas à aposentadoria. Nesse sistema, o salário médio dos professores aposentados é substancialmente superior ao dos docentes na ativa, onerando poderosamente a folha de pagamento. Qualquer aumento no salário dos docentes gera uma cascata de aumentos proporcionais em todos os níveis. Todos os motivos aqui abordados, Ezequiel, geram tipos de violência; e é por isso que professores qualificados estão desistindo da profissão e partindo para respirar novos ares. Eles não querem ser cúmplices de um modelo educacional falido, que não educa ninguém para nada. Não querem, sobretudo, se vê na famosa citação popular “o professor finge que ensina e o aluno finge que aprende”. Os que sobreviverem do magistério serão meros nefelibatas conformados, apaixonados utópicos, medrosos por encarar uma nova realidade profissional que, ao não verem perspectivas para si, justificam dizendo que “estão ajudando a transformar o mundo”; pois nunca vão encontrar outras razões coerentes. Sei que não existe educação uniforme em nenhuma parte. É natural haver escolas melhores e piores (o péssimo é não haver escolas); mas a falta de obsessão pelo sucesso educacional das nossas autoridades nos faz crer num horizonte perdido e impraticável.

Autor: Fernando César Alvesemail
Notas: [1] Professor há 12 anos de Literatura e Redação em escolas particulares do Recife e Região Metropolitana.

Prato Cheio - Cortella

Prato cheio, vida forte
Mario Sergio Cortella
É tempo de alimentar e sustentar corpos e mentes.
Grande e generoso projeto para o futuro próximo: cada pessoa poder ter, ao menos, três pratos de comida por dia em nosso país. É um sonho para fazer virar realidade, colocando a educação como ferramenta de defesa imperativa da idéia e promotora convicta da prática. Para alguns, parece pouco, para muitos será vital, para todos será honroso.
Sempre que posso, reconto uma história real, registrada também na conclusão de meu livro A Escola e o Conhecimento (Cortez, 2002, 166 págs.), e que, agora, mais do que nunca, reproduzo parcialmente para vislumbrar um final diferente. Em meados dos anos 70, dois caciques da nação xavante vieram visitar São Paulo e foram levados para passear. Andaram no metrô, caminharam pela avenida Paulista, visitaram um shopping. Por fim, foram conhecer um dos prédios históricos paulistanos da região central que abriga um imenso mercado municipal (entreposto de frutas, legumes e cereais) com a finalidade de serem surpreendidos com um cenário paradisíaco: alimentos acumulados em grande quantidade. Naquela época, os xavantes quase não usavam dinheiro como mediação para qualidade de vida. O alimento farto representava, para eles, uma riqueza incomensurável. Entraram, deram dois passos no interior do prédio e, subitamente, estancaram, boquiabertos com o cenário: pilhas e pilhas de alfaces, ceno! uras, tomates, laranjas.
Começaram a andar por entre as caixas de alimentos e, de repente, um deles viu algo que não veríamos, pois não chamaria nossa atenção. Ele apontou e disse: "O que ele está fazendo?". "Ele" era um menino de uns 10 anos de idade, que catava no chão verduras e frutas amassadas, estragadas e sujas, e as colocava em um saquinho plástico. A resposta foi a "óbvia": "Ele está pegando comida."
O cacique continuou passeando, calado, provavelmente tentando compreender a resposta dada. Depois de uns 10 minutos, voltou à carga:
Não entendi. Por que o menino está pegando aquela comida podre se tem tanta coisa boa nas pilhas e caixas?
– Porque para pegar nas pilhas precisa ter dinheiro.
Insiste o xavante, já irritado, pois está escavando onde a injustiça sangra:
– E por que ele não tem dinheiro?
Réplica enfadonha do civilizado:
– Porque ele é criança.
– E o pai dele tem?
– Não, não tem.
– Então, não entendi de novo. Por que você, que é grande, tem dinheiro e o pai do menino, que também é, não tem?
– Porque aqui é assim.
Os índios pediram para ir embora, pensativos. Não conseguiram compreender essa situação tão "normal". Para que pudessem aceitar mais tranqüilamente o "porque aqui é assim" teriam de ter sido "civilizados" de um modo especial.
Por isso, só quem já teve a vida danificada pela fome entende bem o lugar dessa fantástica e justa urgência: segurança alimentar. É passo essencial para estilhaçar um modelo homicida e conveniente de ser civilizado.

Mario Sergio Cortella é filósofo e professor de Pós-Graduação em Educação na PUC-SP. Artigo publicado pela Revista Educação, edição de Dezembro de 2002.

NA LUTA E NA LABUTA!

Minha foto
JUNTAR PESSOAS QUE ACREDITAM NO ESPORTE E NA ARTE PARA EDUCAR CRIANÇAS E JOVENS E TRANSFORMAR AS COMUNIDADES MENOS FAVORECIDAS!